Galeria Agridoce

Fiquei espantado com teu chamado urgente. Como eu poderia ter te magoado tanto assim? Ao ponto de afirmar que sou ambicioso. Já lhe disse, não tive intenção, não era para tu saberes. Ao menos não naquele momento. Tens toda a razão de enraivecer-se comigo. Mas saiba, tive motivos para deferir meus dialetos a tua pessoa, tens todo o direito de insultar-me, de caluniar-me, mas não tens o direito de acusar-me. Não sabes se o que fiz foi para prejudicar-te ou para ofender-te. Entristeci-me com tuas duras palavras. Tentei consolo em outro ombro, voltaram a acusar-me. Porém desta vez a simpática voz da garota que errou muito no passado, ouviu-me. Entendeu e compreendeu. Ela, já melhor, sabe que não tive a intenção de magoar-te ou dececionar-te. Fui atrás do ser infeliz que lhe disse tantas calúnias e difamações, por meio de lógica, descobri que era aquele, com um número, que eu procurava. Minhas armas estavam prontas para queimarem, seu corpo não esperava sentir o metal de minha munição penetrar em tuas camadas de pele e acertar-te em teus órgãos. O sentimento sombrio rondava por meu corpo, minha mente estava obscura, nem mesmo eu conseguia observar algo dentro dela. Indagava a mim mesmo o porque de tudo isso. O salgado queria a vingança, o doce queria o diálogo. O frio queria a dor, o calor queria o amor. Decide-me, seria salgado e frio, não derramaria lágrimas salgadas por ti. O ser encantado, minha tutora e amiga, aconselhou-me o certo, disse que ela mesma interferiria. Recusei sua ajuda e decidi eu mesmo agir. Chego perto de ti, meus olhos estão tão frios que não tem diferença entre o preto e o branco, não tenho expressão facial, voz séria. Você vai se arrepender por cada palavra pronunciada desse teu órgão horrendo que chamas de boca. Pois nem só de êxitos se faz a vida, mas de fracassos também, e estes estarão ao teu lado. Te deixei sem palavras, seus argumentos são falhos e minha vingança se torna plena. Um tempo? Essa é sua arma? Saiba que não vou parar de lhe atormentar até que o estrago que causou seja reparado. A vingança é doce. É salgada. A vingança é Agridoce.

Um bar, a rua no breu. O copo com cerveja pela metade, risadas altas que ecoam pelo estabelecimento. Estou rindo de algo que não entendo, só a simples presença dos meus amigos já me faz rir, me faz gozar da vida. Ele estava ao meu lado, olhos bem atentos a mim, observando cada movimento meu, cada risada de felicidade. Os olhos castanhos que me fitam com um olhar bem simpático, mas ao mesmo tempo apaixonado, está feliz por me ver feliz. Percebo que a cerveja do copo acabou já, me viro e o rapaz branco, alto, cabelo negro e olhos castanhos me fita com um olhar admirado. Meu rosto está quente, está vermelho, fico assim quando bebo. Mas meu rosto fica ainda mais quente quando vejo seu olhar me chamando para um abraço, me convidando para o conforto dos teus braços, não estou bêbado, mas estou feliz, e ao seu lado a felicidade aumenta. Percebo que tenho que ficar um tempo contigo, eu necessito disso. Preciso de você, para me abraçar, me beijar, me chamar de "sua", para eu lhe chamar de "meu". Me levanto, minha cabeça não está totalmente lúcida, me desequilibro e sinto seu braço me segurando, você está atrás de mim e fala no meu ouvido "Vamos para um canto mais reservado". Não concordo nem discordo, simplesmente sou educado com meus amigos e saio me desculpando. Quero sair do bar, reservar o resto do tempo à nós. Vou descendo as escadas do bar, e no momento que meu salto toca o chão eu sinto um pulso me segurar pelo braço, me viro e ele vem em minha direção, vai me empurrando contra parede, nossos dedos se entrelaçam em uma mão, coloco meu braço sobre seu pescoço, quero sentir aquele momento. Sinto teu corpo bem junto ao meu, seu rosto bem perto do meu, sua boca beijando meu pescoço, mordendo minha orelha devagar. Você me abraça forte com os dois braços, quer sentir o meu corpo, sua boca vai beijando meu pescoço, minha mão na sua cabeça. Você para e me abraça, me abraça e nada mais importa, um acidente de trânsito ali na frente, uma discussão, nada disso é importante. Só você importa, encosto minha cabeça sobre seu peito, sinto sua mão passar meu rosto, acariciando-o, você segura meu queixo e afasta meu rosto do seu peito, fite bem os meus olhos. Os olhos castanho-escuro me fitando, um olhar tão apaixonado, naquele momento eu tinha certeza que você é o homem da minha vida, e que eu sou a mulher da sua vida. Você fecha os olhos e aproxima sua boca da minha, nossos lábios encostam bem devagar, como se fosse a primeira vez, você me beija delicadamente, tem medo de me machucar, de me ferir, mesmo que isso seja impossível, não tem como eu me ferir estando ao seu lado. Você afasta sua boca da minha, olha novamente nos meus olhos, bem fundo e diz "Eu te amo". Meus olhos se fecham, lágrimas doces escorrem por minha face. Abro os olhos, estou no quarto, sozinho, a cama, o travesseiro e uma filhote de Rottweiller são as únicas coisas que estão ali no momento, enfim acordo de meu devaneio, o rapaz alto que me ama, nunca existiu, quem sabe um dia ele existirá. Até lá eu fico pensando, imaginando. Coloco o travesseiro na cama, me deito e abraço minha filhote,que acorda assustada e lambe meu rosto, se ajeita novamente na cama e se deita ao meu lado. Outra lágrima escorre por minha face, a lágrima doce de amar alguém que não conheço.

Sentada numa poltrona de couro preto, um copo de Whiskey na mão. Os olhos inchados e com rímel até a bochecha. A saia preta de seda, o espartilho bem justo, o blazer preto também de seda, com uma flor vermelha bem pequena em seu bolso acima do peito, luva de couro, sapato com bico tubarão também preto, de couro. A mansão está vazia, o crepúsculo está chegando. Todos os pensamentos invadem a cabeça, a rejeição por amar alguém que não te ama, a confusão dentro de si mesma para saber se realmente ama aquele. As lágrimas negras que escorrem pela face são reflexos do fracasso. De que adianta ter o poder sem ter a capacidade de usá-lo? Eu ainda tenho voz, mas sou barrada, os holofotes em mim, as câmeras querendo registrar meu sofrimento. Já não basta ver minha queda amorosa, agora querem ver também meu sofrimento comigo mesma? Estou farta disso, ele disse que me amava, e simplesmente sumiu. Fiquei numa fossa por um bom tempo, achei que não conseguiria levantar novamente, mas os meus amigos estavam ali, me ajudaram na ascensão. Hoje eu estou sozinha novamente, alguns ainda estão ao meu lado, porém outros continuam a se afastar de mim. Discussões, conversas, tudo isso não faz sentido agora. A sede de vingança amenizou, porém a vontade de amar, não.
O Whiskey do copo já acabou, pego um cigarro no maço que está em cima da mesa, o isqueiro de metal, quadrado e preto está no meu bolso, acendo o cigarro, me levanto da poltrona e vou andando pela grandiosa mansão, o dia ainda não se foi, o crepúsculo vai acontecendo. Ando até minha suíte e fico de frente pra janela que cobre a parede inteira, o pôr-do-sol é lindo, porém não me anima. Quando eu olho pra ele me lembro dos momentos que passei ao seu lado, felizes até então. Meu cabelo está solto, vou até o banheiro, retiro minhas roupas devagar, peça por peça. A banheira já está cheia de água morna, entro na banheira e relaxo meu corpo, o rosto pálido ainda está manchado de rímel, afundo meu corpo na banheira, debaixo d'água relaxo mais, subo novamente para obter fôlego. Terminado o banho me visto com um simples roupão escuro, me deito na cama. Volto a chorar novamente por todas as desgraças que já me aconteceram, a depressão atingiu seu estágio crítico, ao meu lado eu tenho um criado mudo, abro a gaveta e vejo uma faca, me deito novamente na cama, o metal passa por meu pulso, a dor é grande, mas não é maior que a dor da rejeição e a dor da culpa. Meu sangue começa a escorrer, fecho os olhos e espero a morte chegar. A senhora com um sobretudo preto me olha com um olhar frio, suas pernas estão cruzadas, ela usa um chapéu preto com um véu escuro, seus olhos são vermelhos e sua pele é pálida, ela chegou rápido. Bem-vinda Dona Morte, ou melhor, Lilith.